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domingo, 4 de março de 2018

Caso de indenização a professor em Pernambuco abre debate sobre respeito a docentes


O caso de um professor da rede pública estadual do Recife que ganhou na Justiça, semana passada,  o direito a uma indenização por danos morais contra uma ex-aluna provocou reflexão sobre respeito à figura docente, violência escolar e limites na educação de crianças e adolescentes. Colocou a escola e o papel das famílias no centro de um debate que precisa urgentemente ser aprofundado para o bem da sociedade. E escancarou a necessidade de valorizar o magistério.
“O que acontece na escola reflete o que está fora, o esfacelamento das relações pessoais. Temos hoje uma certa libertinagem na relação educativa. Há uma sociedade sem limite, onde não se respeitam os valores e onde prevalece, na maioria das vezes, a intolerância”, observa a professora do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Aída Monteiro.
Não são poucos os relatos de violência dentro da escola. Mais expostos na rede pública. Mais velados na rede particular. O sentimento dos professores é de impotência. Levantamento realizado ano passado pela plataforma QEdu, com dados dos questionários da Prova Brasil 2015, do Ministério da Educação, revelou que num universo de 262 mil docentes, mais de 22,6 mil disseram ter sido ameaçados por estudantes e mais de 4,7 mil sofreram atentados à vida nas escolas em que lecionavam.
Foi o que aconteceu com uma professora da rede municipal do Cabo de Santo Agostinho, no Grande Recife, no dia 22 de fevereiro. Ela apanhou da mãe de uma aluna que foi questionar uma mancha roxa no braço da filha de 7 anos, aluna do 2º ano do ensino fundamental. Levou um murro e vários chutes no rosto dentro da escola, na frente de pais e estudantes. Está afastada da sala de aula, sem saber se terá coragem de voltar ao magistério. A agressão foi tão violenta que causou revolta nos moradores de Gaibu, onde fica o colégio. Para este sábado estava prevista uma passeata em solidariedade à docente.
Nas escolas privadas, o medo de demissão faz com que muitos docentes silenciem. Três anos atrás, num colégio particular de classe média de Olinda, no Grande Recife, a professora Alethea Neves, 43 anos, teve problema com uma aluna de 15 anos do 1º ano do ensino médio. A adolescente quis atender o celular na hora da aula, ela não permitiu. A proibição era uma regra do colégio.
“No outro dia, a mãe veio questionar minha atitude. Me agrediu verbalmente. Exigi que a direção cobrasse uma retratação da família. A mãe repetiu tudo que tinha dito antes. O máximo que a escola fez foi trocar a estudante de turma”, relata Alethea. O fato ocorreu em abril. Seis meses depois, ela foi demitida. “Fui agredida, exposta, injustiçada. Sabia do risco de perder o emprego. Só mantive minha postura de cobrar um posicionamento da escola porque tinha mais dois empregos na rede pública”, conta Alethea.
A precariedade nas condições de trabalho e baixos salários são apontados pelos docentes como violências indiretas. Para conseguir um bom rendimento no fim do mês, muitos mestres precisam trabalhar três turnos. “É uma violência subjetiva. São jornadas de dois, três expedientes, que esgotam os professores. Estamos cada vez mais adoecendo”, destaca a diretora do Sindicato dos Professores da Rede Municipal do Recife (Simpere), Cláudia Ribeiro.
REGISTRO
Não há dados oficiais, na rede estadual de ensino de Pernambuco, sobre casos de violência escolar. Segundo a Secretaria Estadual de Educação, na maioria das vezes os conflitos são resolvidos nos colégios, o que dificulta o registro. Nos colégios da rede municipal do Recife, foram 30 casos ano passado, de acordo com a Secretaria de Educação da capital pernambucana, sendo a maioria de pais de alunos contra professores. O sindicato dos docentes da rede privada não tem números de ocorrências.
“Priorizamos a resolução de eventuais conflitos ocorridos nas escolas da rede estadual dentro da própria escola. A Secretaria e as Gerências Regionais de Educação acompanham, quando acionados, de maneira a assegurar que seja garantido o direito de professores e de estudantes em cada caso”, diz a Secretaria Estadual de Educação.
O canal mais conhecido para denúncias é a Ouvidoria (telefone 0800.286.8668). Mas queixas, sugestões ou denúncias podem ser feitas diretamente nas 16 Gerências de Educação ou na própria secretaria.
No Recife foi criado, dois anos atrás, o Núcleo de Enfrentamento à Violência Escolar (NEVE), que atua nas 36 escolas do 6º ao 9º ano do ensino fundamental, onde há 12.600 alunos. “O surgimento do núcleo coaduna com a Política Municipal de Ensino e com a Legislação Federal no tocante à sensibilização dos estudantes para questões como o bullying e consumo de drogas”, destaca o secretário de Educação do Recife, Alexandre Rebêlo.
Professora das duas redes – municipal do Recife e estadual – Paula Andrade, 40 anos, já pensou em desistir do magistério. “Há muito desrespeito. Os pais não dão limite, independentemente da escola ser pública ou privada. Pobre ou rico, percebemos alunos sem respeito ao professor. Há exceções, claro”, comenta Paula.
Na Escola de Referência em Ensino Médio Aníbal Fernandes, em Santo Amaro, área central do Recife, uma cartaz na entrada informa que desacatar funcionário público é crime. O lembrete existe em muitos colégios. “Vamos colocar também nas salas de aulas”, diz a gestora Márcia Mesquita.
EXEMPLO
A professora, psicóloga e psicopedagoga Paula Barros Uchôa, da Faculdade Pernambucana de Saúde (FPS), ressalta a importância do exemplo dos pais. “A referência inicial de qualquer criança é a família. A casa é a primeira instituição e os pais são os primeiros modelos e referências. Se há respeito em casa, a criança aprende a respeitar o professor na escola”, observa Paula Uchôa.
“O limite é estruturante. A criança testa os pais o tempo todo. Mas ela não sabe a hora de comer, a hora de dormir, o que tem que fazer. Cabe aos pais ensinar. É preciso diálogo e ajustes. Mas para usufruir dos direitos, é necessário cumprir deveres. Regras devem ser seguidas”, enfatiza.
O problema é que cada vez mais a desestruturação das famílias reflete nas unidades de ensino. Uma das maiores queixas de gestores de escolas públicas é a ausência dos pais no acompanhamento escolar dos filhos. Resgatar esses pais, mostrar a eles a importância do educação para seus filhos, pode ser uma das saídas para melhorar o cenário educacional brasileiro.

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