O que começou com provocações sobre os Estados de
origem de ambos terminou com cada um criticando o histórico do outro. O
episódio escancarou o antagonismo de ideias entre eles, que freqüentemente
estão em lados opostos nos julgamentos relacionados aos escândalos de corrupção
no país, nos quais a Corte tem se mostrado dividida.
Barroso disse que Gilmar "vai mudando a jurisprudência de
acordo com o réu" e que promove não o Estado de Direito, mas um
"Estado de Compadrio". Também afirmou que o colega tem
"leniência em relação à criminalidade de colarinho branco" . Gilmar
Mendes atribuiu ao colega a pecha de fazer "populismo com prisões".
Gilmar disse que Barroso soltou José Dirceu no mensalão e ironizou o fato de o
ministro ter defendido "bandido internacional" - em referência
indireta ao caso do italiano Cesare Battisti, de quem Barroso foi advogado
antes de integrar a Corte. A discussão entre os ministros se deu em pleno
julgamento sobre a extinção do Tribunal de Contas dos Municípios do Ceará
(TCM-CE), quando um falou mal do Estado de origem do outro.
Barroso, que é fluminense, disse a Gilmar, do Mato
Grosso, que no Estado do Rio de Janeiro os criminosos são presos, mas "tem
gente que solta". Gilmar Mendes disse que Barroso soltou José Dirceu,
citando julgamento no Supremo Tribunal Federal dos embargos infringentes (um
tipo de recurso) no mensalão, e o ministro rebateu.
"É mentira. Vossa Excelência não trabalha com
a verdade. Gostaria de dizer que José Dirceu foi solto por indulto da
presidente da República", disse Barroso, que em certo ponto citou Chico
Buarque ao criticar Gilmar. "Vossa Excelência está fazendo um comício que
não tem nada a ver com a extinção do tribunal de Contas do Ceará caso em
discussão. Vossa Excelência está ocupando tempo do plenário para destilar esse
ódio constante, que agora dirige contra o Rio. Vossa excelência deveria ouvir a
última música do Chico Buarque: "A raiva é filha do medo e mãe da
covardia". Vossa excelência fica destilando ódio o tempo inteiro, não
julga, não fala coisas racionais e articuladas. Sempre fala coisa contra
alguém, está sempre com ódio de alguém, está sempre com raiva de alguém. Use o
argumento, mérito do argumento", disse Barroso, sendo em seguida
interrompido pela presidente Cármen Lúcia, pedindo
aos dois ministros a continuidade do julgamento.
Gilmar Mendes, rindo enquanto Barroso se exaltava
ao rebater seus comentários, voltou a afirmar que Barroso soltou José Dirceu,
ao que o ministro retrucou. "Quem decidiu foi o Supremo. Aliás, não fui
eu. Porque o Supremo tem 11 ministros e a maioria entendeu que não havia o
crime. E depois ele cumpriu a pena e só foi solto por indulto e mesmo assim
permaneceu preso porque estava preso por determinação da 13ª Vara Federal de
Curitiba. E agora só está solto porque a Segunda Turma determinou que ele fosse
solto. Portanto não transfira para mim esta parceria que Vossa Excelência tem
com a leniência em relação à criminalidade de colarinho branco", disse
Barroso.
Em maio deste ano, por 3 a 2, a Segunda Turma do
STF decidiu revogar a prisão preventiva do ex-ministro José Dirceu, preso desde
agosto de 2015 na Operação Lava Jato. O resultado do julgamento marcou uma nova
derrota para o ministro Edson Fachin, relator da operação na Corte, e para a
investigação conduzida pela força-tarefa em Curitiba. Coube a Gilmar Mendes
desempatar o julgamento a favor de Dirceu. Naquela sessão, o ministro acusou
procuradores de tentar pressionar o Supremo.
Em outro momento, Gilmar Mendes fez alusão a
Barroso ter defendido Cesare Battisti: "Não sou advogado de bandidos
internacionais". Barroso retrucou afirmando que "juiz não pode ter
correligionário".
A presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia,
interrompeu a discussão: "Ministros, eu peço por gentileza estamos num
plenário de um supremo tribunal e eu gostaria que... vamos voltar (à análise do
caso), por favor..", disse.
Divergências
Em junho, o Estadão Broadcast publicou reportagem
que mostrava como Barroso despontava como antagonista de Gilmar Mendes.
Enquanto Gilmar lidera os questionamentos ao modo de atuação do Ministério
Público Federal, que estaria promovendo "abusos", Barroso mantém
firme defesa dos investigadores e dos meios de obtenção de provas, como os
acordos de delação premiada.
Nas últimas semanas, se aprofundaram as divisões
internas dentro do tribunal. Em casos polêmicos, Gilmar e Barroso têm proferido
votos divergentes. Barroso deu o voto vencedor no julgamento da Primeira Turma
do STF que determinou o afastamento de Aécio Neves (PSDB-MG) das funções
parlamentares, enquanto Gilmar Mendes, que integra a Segunda Turma, considerou
o afastamento uma medida ilegal. Na discussão sobre se o Congresso deve revisar
medidas cautelares determinadas pelo Supremo, Barroso ficou vencido -
sustentando que decisão do STF não precisa de aval
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