Em uma canetada que soou como uma declaração de guerra a ONGs dedicadas à preservação da natureza, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, determinou o levantamento e a suspensão por 90 dias de todos os convênios e parcerias de órgãos ligados à pasta, inclusive os estabelecidos com entidades do terceiro setor. Em nota, oito redes da sociedade civil e do setor privado — que, somadas, abrangem mais de 600 entidades — afirmaram que a medida “não apresenta qualquer justificativa” e “viola princípios constitucionais”.
No ofício distribuído no ministério na segunda-feira, Salles solicitou que os fundos nacionais de Mudança do Clima (FNMC) e do Meio Ambiente (FNMA), assim como o Fundo Amazônia, realizem um levantamento das verbas que destinaram ao terceiro setor em 2018.
O texto, no entanto, ignora que os recursos do Fundo Amazônia são geridos e captados pelo BNDES. Seu maior doador é o governo norueguês, que, em dezembro, anunciou um repasse de US$ 70 milhões para a preservação do bioma brasileiro.
Além da suspensão temporária das parcerias — incluindo termos de colaboração e de fomento com organismos do terceiro setor —, a partir de agora, todos os convênios, atos e projetos do Ibama, ICMBio e Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ) celebrados com as organizações da sociedade civil devem ser remetidos ao gabinete ministerial.
Segundo o Ministério do Meio Ambiente, o ofício obedece a Medida Provisória 870, assinada pelo presidente Jair Bolsonaro no último dia 1º, que estabelece “a organização básica dos órgãos do governo federal”. Em nota, a pasta afirma que o “levantamento dos desembolsos” dos últimos três meses permitirá “a avaliação daqueles (acordos) que têm condições de ter continuidade, bem como dos que eventualmente mereçam reparos”.
As redes ambientais assinalam que, de acordo com a Constituição, uma suspensão como a determinada pelo ministro só pode ser tomada após abertura de um processo administrativo “em que o interessado tenha direito ao contraditório e a ampla defesa”: “Sem base legal e sem motivação (…), o prejuízo será do meio ambiente, que em tese Salles deveria proteger, e de populações vulneráveis em todo o país”.
Coordenador do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas (FBMC), Alfredo Sirkis considera a decisão do ministério “vaga e abrangente”. O efeito prático, salienta, seria a paralisação das ações ambientais, gerando conflitos na Justiça.
— São centenas de convênios e parcerias de vários tamanhos. O ministro dará conta de analisar todos sem prejudicar o andamento das atividades do ministério? questiona.
Sirkis destaca que, na área ambiental, o aporte do governo é menor do que o proveniente de doadores estrangeiros e brasileiros. Também alerta que a paralisação das ações ambientais do ministério acabará por sobrecarregar os estados e prejudicar a fiscalização do desmatamento, além de correr o risco de ser um “tiro no pé” no discurso de construção de diálogo com a sociedade.
— Talvez seja o momento para que a coerção ao desmatamento fique sob a responsabilidade direta da Justiça. Desmatador ilegal comete crime, é caso de polícia, sugere.
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